Wednesday, October 16, 2024

O Que Devo Fazer para Herdar a Vida Eterna?

Evangelho: 28º Domingo do Tempo Comum, 13 de outubro de 2024
Marcos 10:17-30

Eu considero Padre Júlio (pastor dos moradores de rua na cidade de São Paulo) um dos pastores mais inspiradores desta época. Suas homilias trazem profundidade e luz para a compreensão das Escrituras e conectam os insights bíblicos ao nosso mundo de hoje, como poucos outros pregadores que eu tenho ouvido consigam fazer. As reflexões que seguem misturam minhas próprias perguntas e foco junto com os insights destacados pelo Padre Júlio.

Artista: Heinrich Hoffman
O cenário desta leitura é montado pelo anúncio de que um homem corre até Jesus e se ajoelha diante dele. Pe. Júlio ressalta que no evangelho de Marcos o ato de “correr” e “ajoelhar-se diante” de Jesus conectam esse homem com dois outros personagens deste evangelho: o homem possuído por demônios (Marcos 5:6) e o leproso (Marcos 1:40). Para o Pe. Júlio, o significado dessa conexão fica claro no final desta história, quando a narrativa fornece mais informações sobre a identidade desse homem.

O que vem a seguir no texto é o ponto principal que despertou a minha atenção, talvez de uma forma que nunca havia acontecido antes. Ajoelhando-se, o homem pergunta a Jesus: “Bom mestre, o que devo fazer para herdar a vida eterna?” Esta questão tem sido central para os cristãos e outras pessoas de fé ao longo de todos os séculos, até ao presente. “O que devo fazer para ganhar a vida eterna?” Agora, o que me intriga ao prestar atenção mais uma vez a esta leitura do Evangelho é a resposta de Jesus. Observe que primeiro ele relembra os mandamentos: “não matarás; não cometerás adultério; não roubarás;
não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe!
E por aí ele para.

Na igreja e na família cristã onde cresci, a resposta de Jesus não teria sido a resposta correta para a pergunta. Cresci aprendendo que obedecer a esses mandamentos podia ser uma demonstração e consequência de uma fé verdadeira que leva à vida eterna, mas obedecer aos mandamentos definitivamente não era visto como o alicerce para tal esperança. A resposta correta era acreditar que Jesus morreu pelos nossos pecados e assim abriu o caminho para a vida eterna. Na verdade, fui ensinado que alguém que não obedecesse a esses mandamentos poderia, com uma mudança de coração no último momento, fazer a oração de fé e ter a vida eterna garantida. No entanto, se acreditarmos o que Jesus está dizendo, obedecermos aos mandamentos seria de fato uma resposta suficiente.

Contudo, note também uma omissão na resposta de Jesus. Na verdade, a lei é resumida em duas partes: “Ame a Deus” e “Ame o seu próximo”. Mas a resposta de Jesus apenas destaca a segunda parte, ou seja, os atos relacionados com o amor ao próximo. Pe. Júlio enfatiza que atos concretos de amor ao próximo são, na verdade, uma evidência do nosso amor a Deus. Se dissermos que amamos a Deus, mas depois agirmos contra o outro, desrespeitarmos e virarmos as costas para o outro, a mentira será demonstrada em nossa ação. Podemos afirmar que amamos a Deus, mas se não demonstrarmos esse amor na nossa vida, devemos questionar se realmente existe amor verdadeiro ali ou não!

Mas voltando à história. O inquiridor garante a Jesus que ele seguiu todos os mandamentos e o fez desde a juventude. Ao ouvir isso, somos informados de que Jesus responde com amor, dizendo ao homem que lhe falta apenas uma coisa: “Vá”, diz ele, e “venda tudo o que você tem e dê aos pobres”. E com isso, Jesus promete: “você terá tesouro no céu”.

Novamente, em contraste com a resposta de “crença” tão comum no que me ensinaram e na igreja de hoje, esta parece ser a resposta final de Jesus à pergunta do homem. Doe-se às pessoas ao seu redor, especialmente aos mais vulneráveis, aos mais necessitados, e você herdará o que procuras. (Lembro-me de outra passagem do evangelho onde Jesus ensina que aqueles que alimentam os famintos, dão água aos sedentos, acolhem o estrangeiro, vestem os nus, cuidam dos enfermos e visitam os que estão na prisão “herdarão o Reino de Deus.” Mateus 25:31-46) No entanto, esta resposta de Jesus foi o fim da picada. Ao ouvir isso, o homem vai embora triste. E é aqui que o narrador nos conta algo mais sobre este homem: “pois ele tinha muitos bens”. Como ele ganhou seus bens não sabemos. Ele os herdou? Ele os ganhou honestamente? Ele os conquistou enganando ou explorando seus trabalhadores? A passagem não fornece essa informação. No entanto, o apelo de Jesus para assumir um compromisso radical com os seus semelhantes era mais do que o homem estava disposto a dar e, apesar de estar triste, ele vai embora.

Observe que Jesus muda o que é chamado de “herança” para o homem que vende seus bens e dá aos pobres. Jesus não diz que ganhará a vida eterna, mas sim que terá “um tesouro no céu”. Talvez já percebendo o status social e a classe do homem, Jesus lhe ofereça algo pelo qual ele tem um apego pessoal: o tesouro.  Mas o tesouro celestial não é suficiente para afastá-lo da sua vida de homem rico.

Aqui Pe. Júlio aponta a ligação com o homem possuído por demônios e o leproso. Ambos foram a Jesus em busca de cura. Em contraste, este homem não percebeu a necessidade de cura, mas, habituado a uma vida de privilégios, procurava como garantir um status privilegiado na próxima vida.

Dizem-nos que os discípulos de Jesus, que testemunharam este encontro, ficaram maravilhados. Jesus aproveita esta oportunidade para lhes dizer que embora “todas as coisas sejam possíveis para Deus”, “quão difícil é para aqueles que têm riqueza entrar no Reino de Deus!” “É mais fácil”, explica ele, “um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”.

What Must I do to Inherit Eternal Life?

Gospel Reading: 28th Sunday of Ordinary Time, October 13, 2024
Mark 10:17-30

I consider Father Julio (pastor to persons homeless in the city of São Paulo, Brazil) one of the most inspirational preachers of our time. His homilies bring depth and light to understanding the Scriptures and connecting biblical insights to our world today as few other preachers I have heard do. The following reflections blend my own questions and focus together with insights highlighted by Father Julio.

Artist: Heinrich Hoffman
The stage in this reading is set by the announcement that a man comes running up to Jesus and kneels  before him. Fr. Julio points out that in Mark the acts of “running up” and “kneeling before” Jesus connect this man with two other characters in this gospel: the man possessed by demons (Mark 5:6), and the leper (Mark 1:40). For Fr. Julio, the significance of this connection becomes clear at the end of this story when the narrative provides more insight into the identity of this man.

What comes next in the text is what sparked my attention, perhaps in a way that it never had before. Kneeling, the man asks Jesus: “Good teacher, what must I do to inherit eternal life?” This question is one that has been central to Christians and other people of faith down through all the centuries, to the present. “What must I do to gain eternal life?” Now, what intrigues me in attending once again to this gospel reading is Jesus’ response. Note that first he names the commandments: do not kill; do not commit adultery; do not steal; do not bear false witness; do not defraud; honor your father and mother. And he stops there.

In the Christian church and family where I grew up, Jesus’ answer would not have been the correct answer to the question. I grew up being taught that obeying these commandments may be a demonstration and consequence of a true faith that leads to eternal life, but obeying the commandments was definitely not seen as the foundation for such hope. The correct answer was to believe that Jesus died for our sins and thus opened the way to eternal life. In fact I was taught that someone who failed to obey these commandments could, with a change of heart at the last moment, say the prayer of belief and be guaranteed eternal life. However, if we take Jesus at his word, obeying the commandments is in fact a sufficient answer.

However, notice also an omission in Jesus’ response. The law is actually summarized in two parts: “Love God” and “Love your Neighbor.” But Jesus’ response only highlights the second part, i.e., acts related to loving your neighbor. Fr. Julio emphasizes that concrete acts of loving our neighbor are in fact evidence of our love for God. If we say we love God but then act against, or disrespect, or turn our backs on the other, the lie is demonstrated in our action. We can claim to love God, but if our life doesn’t show that love, then we must ask whether there is true love there, or not!

But returning to the story. The inquirer assures Jesus that he has followed all the commandments and has done so since his youth. Hearing this, we are told that Jesus responds with love telling the man that he is lacking then only one thing: “Go,” he says, and “sell all you have and give to the poor.” And with this, Jesus promises, “you will have treasures in heaven.”

Again, in contrast to the “belief answer” so common in what I was taught and in the church today, this seems to be Jesus’ final response to the man’s question. Give of yourself to those around you, especially the most vulnerable, those in greatest need, and you will inherit what you seek. (I am reminded of another gospel passage where Jesus teaches that those who feed the hungry, give water to the thirsty, welcome the stranger, clothe the naked, care for the sick, and visit those in prison will “inherit the Reign of God.” Matthew 25:31-46) However, to pick up on an image that appears later in this passage, this answer from Jesus is what broke the camel’s back. Hearing this, the man goes away sad. And here the narrator tells us something more about this man: “for he had many possessions.” How he gained his possessions we are not told. Did he inherit them? Did he gain them honestly? Did he gain them by cheating or exploiting his workers? The passage doesn’t provide this information. However, Jesus’ call to making a radical commitment to his fellow human beings was more than the man was willing to give, and although sad, he walks away.

Note that Jesus changes what is named as the “inheritance” for the man selling his possessions and giving to the poor. Jesus does not say that he will gain eternal life but rather that he will have “treasure in heaven.” Perhaps already perceiving the man’s social status and class Jesus offers him something that he has a personal attachment to: treasure.  But heavenly treasure is not enough to draw him away from his life as a rich man.

Here Fr. Julio points out the connection to the man possessed by demons and the leper. They both came to Jesus seeking healing. In contrast, this man came unaware of a need for healing but rather, accustomed to a life of privilege, he came inquiring about how to guarantee privileged status in the next life.

We are told that Jesus’ disciples, who witnessed this encounter, were amazed. Jesus uses this opportunity to tell them that while “all things are possible with God,” “how hard it is for those with wealth to enter God’s Reign!” “It is easier,” he explains, “for a camel to pass through the eye of a needle than for one who is rich to enter the Reign of God.”


Tuesday, January 31, 2023

Todo a Pulmon: Refletindo Sobre o Primeiro Ano da Aposentadoria

Que turbilhão de ano!! Depois de uma breve visita familiar ao Brasil em janeiro (2022), em uma segunda visita (em abril) para comemorar os 90 anos da minha sogra, colocamos nossa casa à venda e três dias e cinco ofertas depois colocamos o sinal: "VENDIDO". A seguir preparámo-nos e partimos para uma estadia de três meses em Portugal, incluindo a caminhada de 12 dias e 275 kms da cidade do Porto, no norte de Portugal, até Santiago de Compostela, na Espanha (a rota de uma peregrinação cristã milenar). E seguindo, depois de uma curta passagem pelos Estados Unidos, estamos de volta ao Brasil para passar vários meses com a família novamente.

Para começar minha aposentadoria (no meu aniversário - 29 de dezembro de 2021), escolhi como o meu hino da aposentadoria uma música do trovador argentino Alejandro Lerner, “Todo al Pulmón” (literalmente “a pleno pulmão”) ou “vida ao máximo”. Volto regularmente para ouvir novamente esta melodia e sua letra carregada, a “musa musical” para minha visão e compromisso de viver plenamente esses anos, aproveitar ao máximo a vida, envolver-me em ações e associações significativas, escrever bem, como me lembra a musa, essas “estrofes da minha última canção”.

Como as pessoas mais próximas de mim sabem e como um querido amigo cubano, Geosvanis, colocou em palavras, eu “não sou Americano branco (“gringo”) típico”. Formado por uma infância de crescimento multicultural e entre os indígenas Xavante (A’Uwe) no sertão do Brasil e posteriormente influenciada pelos estudos de Marx e da Teologia da Libertação, e com heróis pessoais que incluem nativo Winnebago ativista e líder espiritual Reuben Snake, internacionalista e revolucionário argentino/cubano Che Guevara, e o mártir centro-americano Monsenhor Oscar Romero – entre outros – descrevo a minha perspectiva do mundo como “crítica” e “profundamente cética em relação ao imperialismo dos EUA”.

E isso me traz ao momento presente. O ano passado foi um turbilhão e ainda não estamos em um lugar certo. Mas quando considero nosso mundo e a bagunça em que ele se encontra – com interesses imperiais e oligárquicos financiando guerras sem fim e atiçando as chamas de tendências racistas, xenófobas, ultranacionalistas e fascistas em um mundo que já se enfrenta a ameaça existencial do holocausto climático, o chamado para um aposentadoria de ação está na vanguarda. Como e onde posso me envolver, como e onde VOU me envolver para que essas próximas estrofes da minha vida cantem alto e claramente ao lado do anti-racismo, da justiça com e para os marginalizados, do lado de um mundo saudável e habitável para nossos filhos, netos e bisnetos, um mundo em que a comunidade e o bem-estar de todos os seres humanos e todos os seres vivos, incluindo nossa Mãe Terra, são nossa primeira e mais alta prioridade? Me investir nesta maneira é, para mim, viver “a vida ao máximo”, “Todo a Pulmon”.